segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Cristianismo Fora de Foco



          Você já revelou uma fotografia que estava fora de foco? O Modelo estava na posição correta, a máquina fotográfica na posição correta, o fotografo estava na posição correta, entretanto a imagem final tonou-se distorcida.O que aconteceu?  O processo fotográfico consiste de uma câmara escura, uma película foto-sensível para impressão de imagem e uma abertura para entrada de luz. A impressão perde o foco quando há distorção na luz. Mas o que é uma fotografia, se não uma forma de apreender a realidade em uma imagem? Esse processo nos alerta para a seguintes questões: Será que a Igreja de Jesus perdeu seu foco? Se fossemos revelar uma fotografia do cristianismo atual o que apareceria?  Quais as principais distorções e imagens o cristianismo atual (brasileiro) tem produzido?
         
           Para compreender essa questão de foco proponho, por meio de um olhar no ministério dos profetas e de Cristo, uma reflexão sobre o real sentido da voz profética.  

            A principal relação do profeta com a voz profética é a defesa do povo. Mas o que é voz profética? Como a ausência de foco distorce o sentido do termo "voz profética"? Voz profética não é voz politiqueira, nem voz legalista, nem voz preconceituosa, nem voz que defende apenas os ideais religiosos de um único grupo. A voz profética na Bíblia é essencialmente a defesa do outro como Defesa da Vida, mas defesa de que e de quem? Os profetas autonomos (não vinculados ao templo ou ao reino), como Amós, Oséias, Isaias e Miquéias, viviam numa época não diferente da nossa, com partidos políticos e crises morais, entretanto, nunca são vistos defendendo partidos políticos por serem mais favoráveis à sua religião, e muito pelo contrário, o profeta Jeremias, por exemplo, contra sua própria religião pede para que o povo vote no partido opressor (Babilônia) e é altamente reprovado pelos falsos profetas do partido Aristocrata Jerusalemita (Jr 27). A voz profética também não é uma guerra legalista contra atitudes imorais. O principal foco dos profetas também não é denunciar o pecado (legal e ritual) dos líderes, e muito menos do povo. Eu não consigo imaginar o profeta Oséias condenando a prostituição ou o adultério como práticas imorais, (principalmente porque ele casou-se com uma prostituta e uma adultera), ou ver Elias contrário à pena de Morte (matou os profetas de Baal), ou ver Jesus condenando a igreja por aceitar pessoas impura (serviu a "ceia do Senhor" para Judas). Voz profética não é voz legalista, ritualista ou política. Voz profética é a voz de Deus para salvação do oprimido.
          A Voz profética não vê o partido ou a religião, mas a pessoa. Desde o antigo Testamento a voz profética é a ação de Deus para libertação (não apenas do seu povo, mas de todos que dela careciam - Am 9:7). O êxodo fala que Deus ouviu o clamor de seu povo. Foi a necessidade e opressão diante de faraó que motivou a voz profética de Moisés. Faraó representava o governo, a direita, a aristocracia dominante, enquanto que Moisés era a oposição, o MST do Antigo Testamento. Outro caso muito relevante foi o do Sírio Naamã, que independente de usa fé e posição política foi identificado como alvo da voz profética. Amós, Oséias, Miquéias, Isaias e Jeremias também representavam a voz profética como oposição ao Governo e sua aliança com o Templo (Am 5; Os 4-6; Is 1; Mq 3. Jr 7). Não era uma voz legalista, ritual, ou política, mas uma voz profética, voz em defesa do oprimido, explorado, sem direitos e sem defesa. A voz profética do Antigo Testamento primava pela salvação e preservação da vida como foco principal. Os profetas não faziam propaganda de partidos políticos como solução para salvação do povo, antes anunciavam o Juízo de Deus como solução para a opressão e destruição do outro (Am 2,6-16; 3,10-12; 5,7-17; 6,1-7; 8,1-3).
          Ouvi isto, vós que pisais os necessitados, e destruís os miseráveis da terra, dizendo: Quando passará a lua nova, para vendermos o grão? e o sábado, para expormos o trigo, diminuindo a medida, e aumentando o preço, e procedendo dolosamente com balanças enganadoras, para comprarmos os pobres por dinheiro, e os necessitados por um par de sapatos, e para vendermos o refugo do trigo? (Amós 8:4-6).
          Outro exemplo claro está  no ministério de Jesus Cristo. Será que Jesus seguiu no caminho dos profetas? será que assumiu postura diferente de seus antecessores? Novamente o retrato pode nos ajudar. Você consegue ver Jesus defendendo um partido político por ser a melhor forma de exercer seu governo sobre os homens? (como se um partido político fizesse toda a diferença). Você consegue ver Jesus condenando as prostitutas? os adúlteros? os funcionários do governo opressor (publicanos)? como sendo responsáveis pela destruição da família e valores cristãos? A torção da compreensão de "Voz Profética" resulta na interpretação torcida do ministério de Cristo.
            Jesus, como os profetas, não assumiu nem defendeu um partido político, ou um legalismo ritualista, antes defendeu a pessoa da opressão causada pela opressão dos partidos de sua época. Ao Saduceu - Aristocracia Governante - apresentou a parábola do Bom-Samaritano, onde critica a opressão e racismo legalista; ao Fariseu - apresentou sua crítica ao legalismo superficial; aos Zelotas, apresentou sua postura pacifista. Em todas as situações Jesus defendeu a pessoa e apresentou o Pai, como julgador do dia final, e única solução para a humanidade  
           A Voz profética de Cristo não é uma voz Legalista ou Ritualista. Jesus não se pôs a condenar o mundo; nem mesmo criticou, sua missão é salvá-lo. Jesus não deixou que questões laterais alterassem seu foco. O ritualismo e o legalismo acabaram por ser derrotados pela urgência e superioridade de seu alvo: a salvação do oprimido. Jesus entendia bem que o principal problema do mundo não era o pecado ritual ou legal, mas a alienação (Paul Tillich). Assim, não lutou contra o pecado (ritual e legal), você não vê Jesus travando uma luta para "purificar" o mundo, ou as pessoas, mas para desaliená-las. Jesus não condenou a mulher adultera (Jo 8:11); nem a pecadora (Lc 7:37-50); muito menos os leprosos ingratos (Lc 17:12ss); ou o cobrador de impostos (Mt 9:9); entretanto todas essas pessoas e muitas outras foram desalienadas, incluídas na vida de Deus, integradas em seu reino. Jesus não perdeu o foco diante do pecado (Ritual ou Legal). Mesmo os traidores indignos partilharam da voz prófética (Jo 13), pois, para Jesus, a restituição da pessoa é o alvo da voz profética. Jesus entende que não é o pecado que está destruindo as famílias, mas a opressão politica e religiosa que aliena as pessoas de Deus, do próximo e de si mesmas, levando as pessoas a destruirem-se, e o pior é que entendiam que essa distorção era um serviço prestado a Deus (Jo 16:1-2).  
          Assim, como está nosso retrato hoje? Qual impressão nossa vida produz diante do feixe de luz da mensagem dos Profetas e de Cristo? e como a Igreja de Jesus está na foto?
          Infelizmente há muita distorção! Várias outras mensagens estão sendo pregadas em lugar de Cristo. O Legalismo e o Ritualismo estão sendo colocados como centro da Igreja, o que tem levado muitos a verem o pecado como principal problema do mundo e ao não entendimento da alienação de Deus e do próximo como a maior ameaça da raça humana.
         Nesses tempos de política, quando as luzes estão apontadas para a posição da Igreja, a foto é revelada drasticamente, e muitos "evangélicos" desejam descaradamente voltar para idade média. Será que não aprendemos nada? será que os mil anos de trevas presos a um Estado governando ao Lado da Igreja não foram suficientes?  Será que as atrocidades praticadas por Calvino em Genebra não foram suficientes? O poder cegou os olhos da fé de modo que muitos não conseguem enxergar as distorções e distanciamento de Cristo. Não enxergam seu torpe desejo por poder que almeja impor sua vontade sobre a do fraco e do oprimido, seu senso de justiça está distorcido, pois o mal para o outro não tem problema desde que o bem para eles seja imposto, e isso, custe o que custar.
          "É vontade de Deus que os crentes estejam no poder, pois assim poderão pregar a palavra de Deus". Essa frase é uma grande falácia! (Até parece que os crentes gostam de pregar a palavra de Deus! Do jeito que o cristianismo anda, é provável que, se houver uma lei reduzindo a regularidade do culto para uma vez por mês, os crentes sejam os primeiros a aprovar.) 
          O deslocamento do foco é nítido assim como a ausência total de padrão ético.  Os crentes podem estar no poder para impor sua vontade e os outros que lhe submetam. O que aconteceu com o amor ao próximo? e como o amar o outro como a si mesmo? e ao Amar aos vossos inimigos, pois amar os amigos é fácil? Não vemos ninguém se levantar com uma posição cristã. Realmente falta voz profética, mas a autêntica voz profética, que procura a vontade de Deus em primeiro lugar. O Ide de Jesus foi abandonado e está sendo trocado por debates legalistas e moralistas em torno de temas polêmicos, o amor está sendo trocado pela agressão polítca e pública, os padrões éticos do evangelhos foram substituídos por uma ética marqueteira interessada em poder e desinteressada do Outro. O termo "a qualquer custo" passou a ser um imperativo entre candidatos "evangélicos". Eu nunca vi, em toda minha vida de evangélico, tamanha nojeira política envolvendo a Igreja de Cristo!
         Fora de foco? Não.
         Na verdade, o filme já queimou faz tempo.
        Que Deus possa nos ajudar! 















 







Um comentário:

  1. simples,claro e objetivo..
    oxalá que muitos crentes leiam e se conscientizem

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