domingo, 26 de junho de 2011

LIVRANDO A CARA DA MULHER DE JÓ

 
 
Um dos personagens mais criticados da Bíblia é a mulher de Jó. Os capítulos 1 e 2 do livro narram Jó como um homem próspero e temente a Deus que foi provado a ponto de perder tudo, fazenda, bois, ovelhas, servos e até seus filhos. Esses capítulos afirmam que Jó foi fiel e temente a Deus, em nada blasfemando contra Deus. Nesse momento de dificuldade surge a mulher de Jó afirmando: Jó 2:9 Então, sua mulher lhe disse: Ainda conservas a tua integridade? Amaldiçoa a Deus e morre. Essa atitude produz profunda indignação em todos que leem a história. Mas será que apenas esse pouco conhecimento da história é suficiente para condená-la? Será que ela não está com a razão?
Este breve artigo pretende, em alguns poucos parágrafos, corrigir a injustiça de interpretar a mulher de Jó como se fosse uma pessoa fútil e incrédula.
Para a compreensão dessa história é preciso ler mais que apenas dois capítulos do livro. Assim, entendemos que o livro de Jó narra uma história muito antiga já citada no livro de Ezequiel (14:14) ao lado de Noé e Daniel. A história de Jó desenvolveu-se e foi reunida em um único livro no período pós-exílico. Este livro possui dois contextos, um pré-exílico e outro pós-exílico. Os especialistas afirmam que são dois livros, um dentro do outro. O mais antigo (capítulos 1-2 e 42:12-17) e o outro, mais recente, contendo o miolo do livro. 
De acordo com essa estrutura do livro é possível afirmar duas interpretações para a mulher de Jó. A primeira centrada nos capítulos 1 e 2 do livro, para os quais a mulher é uma murmuradora incrédula e insensível à condição do marido (essa é a versão que conhecemos). A outra, que “livra a cara” da mulher de Jó é a do miolo. Mas o que diz o miolo desse livro?
No geral o Jó do miolo é diferente do Jó dos capítulos 1-2. O Jó do começo é paciente e suporta tudo calado sem murmuração, enquanto que o Jó do miolo do livro é rebelde e respondão (7:17-27; 9:20-24; 13:3,18-27; 16:8-20; 24:12). Porque essa diferença? É simples. O Jó do começo representa a tradição transmitida pelo sacerdotalismo que oprimia o povo e afirmava ser essa a vontade de Deus (Miq 3:11). Os filhos eram vendidos, os campos eram tomados, as fazendas eram desapropriadas, as famílias eram escravizadas e ao perguntar sobre Deus, os sacerdotes corruptos pregavam a história de Jó, que também sofreu, mas como suportou calado e sem murmuração recebeu tudo em dobro no final, que manipulação
terrível!
          Antes de você me chamar de herege e de me condenar junto com a mulher, quero que você conheça o Jó do Miolo, pois é ele quem faz essas acusações.
O Jó dos 40 capítulos restantes não se cala diante da opressão. É um líder do povo, um profeta que vê a opressão e aponta os verdadeiros problemas a que se dirige o livro (Jó
24:2-11). 
Jó 24:2-5 Há os que removem os limites, roubam os rebanhos e os apascentam. Levam do órfão o jumento, da viúva, tomam-lhe o boi. Desviam do caminho aos necessitados, e os pobres da terra todos têm de esconder-se. Como asnos monteses no deserto, saem estes para o seu mister, à procura de presa no campo aberto, como pão para eles e seus filhos.                 
        Os verdadeiros problemas que produziam o sofrimento de Jó não eram aflições por causas naturais, mas opressão dos poderosos sobre os fracos (Jó 3:11-20). Esse é o contexto do pós-exílio (Ne 5:1-5) onde os filhos eram vendidos e havia distinção de classes entre a nobreza e o povo. O interessante é que tanto em Neemias como em Jó, as mulheres é que se levantam e murmuram. Sua reclamação é válida, pois a religião estava escravizando e penhorando seus bens, seus filhos e suas vidas. Em apoio a essa tese, numa leitura do livro de dentro encontramos Jó falando da opressão do povo, inclusive de escravidão (Jó 6:14-15,27; 7:1-3); confrontando a teologia de seus “amigos”, cheios de palavras bonitas, mas vazios de Deus (Jó 4:7-9). Esses amigos de Jó são representantes do livro da frente, dos capítulos 1 e 2. Eles querem que Jó fique calado (Jó 5:15-27), como representantes da teologia opressora que tomava tudo dos outros, e ainda acreditavam ser abençoados por Deus. Eles não pregavam misericórdia, apenas a opressão da lei (Jó 6:22-29).
       O Jó da frente fica calado diante da opressão, iludido pelas falsas palavras que diziam ser a vontade de Deus, mas o Jó do miolo do livro, esse age como a mulher do capitulo 2, ele se levanta e confronta aquela visão de Deus (Jó 16:7-17), Jó confronta aquele “deus tirano” e afirma que há um no céu para defendê-lo daquele “deus opressor”.
       Diante da tentativa de abafar o clamor do povo, o Jó do miolo do livro afirma que seus discursos são pura tapeação (Jó 21:34), mentira (Jó 13:4) e contesta a teologia de um Deus opressor que abençoa os justos (Ricos) e pune os (Injustos) pobres (Jó 21:7-21). 
        Por fim, o Jó do Miolo revela que o “deus” que antes ele conhecia apenas de ouvir era um “deus estranho” opressor, destruidor da família e da vida, que punia o pobre ainda que fosse justo, e abençoava o rico mesmo que injusto. Mas que agora seus olhos  contemplavam Deus, o Deus verdadeiro, a Testemunha no céu contra o “deus tirano(Jó 16:19), o Redentor que por fim se levantará em glória (Jó 19:25).
       Assim, ao reler a história dos capítulos 1 e 2 entende-se que faziam parte de uma leitura  opressora que pretendia abafar e denegrir o clamor dos injustiçados e oprimidos (a mulher de Jó) e exaltar a atitude de “humildade” e sujeição de Jó. Dessa  feita, pode-se entender a reclamação da mulher à luz do livro como sendo um  clamor do povo para que os pregadores do Templo (representados pelos amigos de  Jó) parem de pregar esse “deus opressor” e deixem o povo em paz. O livro de Jó  não é uma pregação da paciência, mas a pregação do clamor, da confiança no Deus  verdadeiro e na fé de que Cristo é nossa testemunha e intercessor entre o homem  e Deus.
 
Amem! Que Deus nos abençoe!


terça-feira, 14 de junho de 2011

VERDADEIROS ADORADORES ?

Jo 4:23 Mas a hora vem, e agora é, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade, porque o Pai procura a tais que assim o adorem.

 Uma das maiores crises na interpretação da Bíblia está na tradução. Em alguns casos, o termo em português substitui e corrompe o sentido do termo em sua língua e cultura original. Esse é o caso da interpretação de Jo 3:23-24. Nesse texto o termo “adoradores” assume sentido bem diverso da realidade bíblica, sendo entendido como sinônimo de admiração (Houaiss). Tanto o termo adorador quanto o termo admirador possuem o mesmo prefixo (ad-) que o dicionário Houaiss define como “em direção a”, assim, adorar é ad-orar, “orar em direção a”, e ad-mirar é “olhar em direção a”, conduzindo a ação de forma verbalista (adorar é voltar-se para o Senhor com palavras de exaltação), mas será que essas palavras traduzem o que o texto de Jo 4:23-24 quer dizer por adorador?

No Grego e Hebraico o termo possui o sentido de prostrar-se, mas, será que esse sentido alteraria a tradução? É simples, quando o termo adorar é usado, o sentido a ser transmitido é de algo vivencial ou algo verbal? Vejamos o que o contexto e Teologia do Antigo e Novo Testamento nos ensinam sobre adoração.

No antigo testamento a ad-oração e ad-miração eram marcas da religião superficial que usava processos mágicos a fim de manipular Deus. O sociólogo Mircea Eliade (1992) define a manipulação da divindade como magia. É o conjunto de práticas, rituais e preces que poderiam manipular a divindade a favor do fiel. Na religião do Egito antigo os fiéis acreditavam que proferir as orações contidas no livro dos mortos lhes daria o poder de ludibriar do deus Anúbis, enganar o julgamento final e adentrar no paraíso. Essa religião mágica, também presente no povo hebreu, foi severamente punida pelos profetas do período pré-exílico.

Amós questionou as formas de religião que se pretendiam belas e salvíficas, mas que eram vazias da justiça de Deus.

Amós 5:11-12 Portanto, visto que pisais o pobre e dele exigis um tributo de trigo, [...] Amós
5:21-25
Aborreço, desprezo as vossas festas, e as vossas assembléias solenes não me dão nenhum prazer. E, ainda que me ofereçais holocaustos e ofertas de manjares, não me agradarei delas, nem atentarei para as ofertas pacíficas de vossos animais gordo. Afasta de mim o estrépito dos teus cânticos; porque não ouvirei as melodias dos teus instrumentos [...].

Oséias que criticou o Sacrifício e a prática sacerdotal centrada na Lei e no pecado.

Oséias 4:8 Eles se alimentam dos pecados do meu povo e têm prazer em sua iniqüidade. Oséias 6:6 Pois desejo misericórdia, não sacrifícios, e conhecimento de Deus em vez de holocaustos.

Jeremias e Isaias criticaram todo o culto superficial, centrado na Eleição, no Templo e no Sacrifício como intercessores do Povo.

Jer 7:4-7  Não confiem em palavras enganosas: "Este é o templo do Senhor, o templo do Senhor, o templo do Senhor! "  Mas se vocês realmente corrigirem a sua conduta e as suas ações, e se, de fato, tratarem uns aos outros com justiça, se não oprimirem o estrangeiro, o órfão e a viúva e não derramarem sangue inocente neste lugar, e se vocês não seguirem outros deuses para a sua própria ruína, então eu os farei habitar neste lugar [...]

Para Jeremias, Deus não pediu sacrifícios, mas obediência, entretanto o povo, seguindo os costumes das nações vizinhas, procurou sacrificar para tentar persuadir Deus a salvá-los.

Jer 7:21-23 "Assim diz o Senhor dos Exércitos, o Deus de Israel: Juntem os seus holocaustos aos outros sacrifícios e comam a carne vocês mesmos! Quando tirei do Egito os seus antepassados, nada lhes falei nem lhes ordenei quanto a holocaustos e sacrifícios. Dei-lhes, entretanto, esta ordem: Obedeçam-me, e eu serei o seu Deus e vocês serão o meu povo [...]

Isaias questiona e reprova o culto que pretende manipular o perdão de Deus. Para esse profeta o sacrifício era apenas uma forma de religião barata centrada nas obras.

Isa 1:11-12, 18 "Para que me oferecem tantos sacrifícios? ", pergunta o Senhor. Para mim, chega de holocaustos de carneiros e da gordura de novilhos gordos; não tenho nenhum prazer no sangue de novilhos, de cordeiros e de bodes! Quando lhes pediu que viessem à minha presença, quem lhes pediu que pusessem os pés em meus átrios?  "Venham, vamos refletir juntos", diz o Senhor. "Embora os seus pecados sejam vermelhos como escarlate, eles se tornarão brancos como a neve; embora sejam rubros como púrpura, como a lã se tornarão.

Israel era especialista em culto, expert em ritual, tinham tudo do melhor, seus instrumentos eram feitos de ouro, prata e bronze, suas roupas cortinas e toalhas eram de linho finíssimo, tudo era santificado e separado para Deus, seria ótimo, se eles não fizessem isso apenas para agradar a si mesmos.
Am 4:5 E oferecei sacrifício de louvores do que é levedado, e apregoai sacrifícios voluntários, e publicai-os; porque disso gostais [...].

Em todos esses casos o profeta critica justamente o que o português traduz por “Adorador”, ou seja, a critica dos profetas é ao culto externo, verbalizado, manipulador de Deus, sem mudança nos ofertantes, não havia prostrar-se, não havia mudança de vida, apenas religião.

Quando Jesus afirma que o Pai procura adoradores que o adorem em Espírito e Verdade é algo que deve ser interpretado a luz da crítica dos profetas. Jesus, seguindo os profetas está esvaziando a religião centrada no Templo e nas práticas de culto.

A pergunta da mulher samaritana: “Onde se deve adorar?” (Jo 4:20), surgiu em razão da crise religiosa de seu tempo que estava centrada na definição de local e forma religiosa, mas Jesus responde: Verdadeiro adorador não é o religioso, não é o manipulador de Deus, pois o Pai não procura Cultuadores, mas verdadeiros adoradores, ou seja, o Pai procura aqueles que se prostram diante de Deus independente de lugar, pois seu culto é sua vida. E isso é adorar a Deus em espírito e em verdade. A resposta de Jesus, acima de tudo, é uma antítese às formas religiosas judaicas baseadas na lei e no ritual.

A Bíblia lança luz sobre o sentido profundo do termo "adorar", ou seja, "prostrar-se". Mas, quando a igreja de hoje interpreta os “verdadeiros adoradores” sinalizando a religião, a liturgia e o culto como forma de adoração está no mesmo caminho dos manipuladores de Deus. Está perdendo o sentido Sagrado da fé e esvaziando a presença de Deus da vida. Os cultuadores são pregadores das obras de salvação e negadores da graça de Cristo (Gl 2).

A advertência dos profetas é atual e urgente. “Deus não quer culto como ato religioso, o que Deus quer é mudança de Vida!”. É preciso olhar para nossas vidas e identificar nossa fé: Será que somos experts em culto, em liturgia, em música, em celebração, em festa, etc...?

Paulo seguindo essa interpretação vai afirmar que o nosso culto é nossa vida, não um
momento ou uma celebração litúrgica.
 Rom 12:1 Portanto, irmãos, rogo-lhes pelas misericórdias de Deus que se ofereçam em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus; este é o culto racional de vocês.

Essa é a melhor interpretação do texto:

Jo 4:23 Mas a hora vem, e agora é, em que os verdadeiros adoradores, não aqueles cultuadores baratos, cheios de religiosidade, mas aqueles que realmente são tementes a Deus, que cultuam com suas vidas, constantemente prostrados em reverência, temor e serviço, adorarão o Pai em espírito e em verdade, com suas vidas transformadas pela vontade de Deus, porque o Pai procura a tais que assim o adorem, entregando suas vidas sem reserva. (Tradução dinâmica: Professor Eduardo).

sexta-feira, 4 de março de 2011

Quais são as Mãos de seu Senhor - Reflexões sobre a Doutrina de Deus

É uma vergonha que alguns cursos de teologia ainda concentrem sua grade de matérias na perspectiva da idade média. Os seminários de teologia “meia-boca” tendem apenas a ruminação teológica, não é teologia, apenas assimilação e reprodução de conteúdo. Não é preciso ser um gênio para saber que a doutrina histórica da trindade não revela nada de útil para a vida cristã; que o conhecimento dos atributos de Deus não tem o poder de transformar nossas vidas, e que, tentar perscrutar os decretos de Deus, não aumenta nossa intimidade com o Pai. Esse é o principal motivo porque essas questões não são abordadas na Bíblia.
Mas como se tornaram tão relevantes? Porque ainda são reproduzidas? São teologias de gabinete, escritas e reproduzidas por pessoas que não pensam a vida, que não relacionam o homem com Deus, que creditam sua fidelidade cegamente aos dogmas e doutrinas sem nem ao menos perguntar por sua viabilidade, durabilidade, extensão e aplicabilidade. Embora algumas doutrinas possuam valor absoluto, sua aplicabilidade pode ser relativa, sua extensão e viabilidade podem ser discutíveis.



Para compreender a elasticidade da doutrina precisamos situá-la socialmente. É um código de conduta dirigida a homens e mulheres com objetivo educacional. Para entender essa questão precisamos responder às seguintes perguntas: Quando essa doutrina de Deus foi formada? Por que? Os primeiros cristãos precisavam acomodar sua fé com as pressões judaizantes e romanas. Os judaizantes defendiam a unicidade de Deus e contestavam a divindade de Cristo, já os romanos aceitavam a idéia de Jesus como Deus, mas recusavam a idéia de um Deus homem que morreu numa cruz.
Paulo retrata essa divergência com o termo loucura e escândalo (1Co 1:23). Diante dessa crise os Pais da Igreja seguiram os passos da teologia alexandrina (Ligação da Filosofia com a Teologia). Aos poucos a ameaça judaizante foi-se desfazendo e as defesas da fé feitas por Justino o Mártir elevaram a teologia ao mundo filosófico, ao campo de defesa por idéias. Justino precisava defender os cristãos dos ataques romanos, que eram feitos por filósofos contratados pelo Estado para ridicularizar os cristãos. Assim as defesas da fé ganharam o palco da oratória ao mesmo tempo que perdiam seu caráter vivencial. Com isso o cristianismo cai na reprovação dos profetas, principalmente de Oséias (Os 4:1-6; 6:6; Is 1; e outros).
A consequência dessa mudança foi o confinamento da doutrina de Deus ao mundo filosófico. Esse confinamento durou até a reforma quando Lutero desenvolveu a teologia da Cruz. Lutero havia encontrado a grande lacuna teológica: o Deus revelado foi trocado pelo Deus absconditus. O Deus revelado depende da fé, enquanto que o Deus absconditus da razão; o Deus revelado é reconhecido por seu amor à criação, o Deus absconditus é reconhecido por seus atributos de grandeza e majestade; o Deus revelado é reconhecido pela Cruz, o Deus absconditus pela Glória.
Lutero viu que a teologia tornou-se uma prisão opressora que impunha seus ensinamentos sobre o Deus absconditus; viu também que esse Deus não é o Deus revelado, mas o Deus oculto (Absconditus - inacessível), cheio de gloria e majestade, muito diferente do Deus revelado nascido numa manjedoura.
Para o teólogo da cruz a questão não é ficar meditando sobre o ser de Deus. Ele não se interessa por uma doutrina a respeito das qualidades de Deus, por exemplo, que em lugar de atos vivos coloque abstrações estáticas; ele inclusive a considera extremamente perigosa. Deus não quer ser reconhecido em suas “coisas invisíveis”, e sim, em suas “coisas visíveis”. (LOEWENICH, 1988, p.16).       
            O segundo passo na formação de uma doutrina é sua absolutização. Toda lei ou doutrina, no começo, possui papel educacional, mas com o tempo perde seus elos e passa a ser algo restritivo. O tempo solidifica os conceitos de forma a transformá-los em dogmas incontestáveis. Infelizmente a teologia da cruz, escrita por Lutero, seguiu esse caminho. Aos poucos, a igreja luterana, foi assumindo uma postura dogmática mais próxima da Igreja Católica Romana, e novamente a teologia da glória e do Deus absconditus supera o Deus revelatus. A doutrina de Deus que responde às necessidades intelectuais assumiu o lugar da doutrina bíblica de Deus.
            Em nossos dias, no Brasil, a teologia do Deus absconditus impera na maioria dos seminários, mesmo naqueles que pretendem seguir os passos da Teologia da Cruz escrita por Lutero.  Infelizmente o Brasil tem muito pouco conhecimento do Deus revelado. Todos os grupos desde tradicionais a evangélicos neo-pentecostais procuram conhecer o Deus absconditus e se esquecem do Deus revelatus. As doutrinas não são mais pensadas e avaliadas, apenas repetidas. Diante dessa crise aponto algumas notas relevantes para construção de uma doutrina de Deus que corresponda às necessidades do Brasil.
1.    É preciso resgatar as principais afirmações bíblicas sobre Deus. Nesse ponto até podemos usar as análises da teologia tradicional, mas com cuidado, sempre observando a bíblia em primeiro lugar, procurando olhar para as novas teologias do séc.XX, e separar as principais afirmações observando a ordem literária e teológica do texto. Ex:
a.    “Eu Sou” – Esse título é o reconhecimento da ação salvifica de Javé. É por ele que o povo conhece o libertador do Egito; é por ele que o povo se une, forma e depõe a monarquia; é a principal idéia teológica dos provetas; é usada também pelos governadores do período exílico e pós-exílico; é também um termo muito usado no novo testamento; João usa-o em relação à Jesus.
b.    Deus é Santo – Outro conceito muito relevante. Para os profetas, ser santo não significa religioso ou separado, mas íntegro, puro e justo. Não significa que Deus quer sacrifícios, o que os profetas revelaram é que Deus queria conhecimento íntimo (Os 6:6); Ser santo/justo é uma apelo à santidade/justiça. Esse conceito é muito bem entendido na pessoa de Jesus e no novo testamento onde há um grande esvaziamento das doutrinas e rituais judaicos.
2.    É preciso entender quais são as principais afirmações sócio-religiosas sobre Deus. Quais são as principais afirmações teológicas da atualidade? Separei cinco pensamentos relevantes que acredito definirem a teologia da atualidade:



1 – Deus-Quadro. Atualmente as pessoas tendem a tratar Deus como se fosse um quadro, uma pintura. As pinturas não são a realidade, mas tentativas humanas de capturar a realidade. A questão é que muitos cristãos de nossos dias tendem a se relacionar com Deus como se fosse um quadro, elas capturam apenas o que lhes atrai, prendem em um quadro e usam quando e como querem. Elas não conhecem e nem querem conhecer a Deus, tudo que elas precisam está em seu quadro, tendem a colocar apenas as bênçãos e excluem as advertências e reprovações. No fim, sua imagem de Deus passa a ser uma imagem distorcida de seus desejos. Quando precisam, posicionam-se diante do quadro e ficam admirando-o, pensando nas coisas que ali estão manipulando-as, trocando o quadro de lugar, de forma que lhe atendam. Quando estão incomodadas com algum aspecto do quadro, simplesmente retiram-no, viram-no trocam-no de lugar. Deus passou a ser um quadro manipulado ao bel prazer de seu dono.
2 – Deus-Imagem. Não é preciso uma imagem para ser um adorador de imagem. Qual a diferença entre um adorador de Deus e um adorador da imagem de Deus? É simples: a imagem não fala. Assim, o adorador da imagem de Deus fala com a imagem e não houve nada, pois imagem não fala. O adorador de Deus fala e ouve Deus. Dessa forma, quando uma pessoa que diz crer em Deus, não ouve (atende) a Deus, está na realidade falando com uma imagem. Quando eu não ouço transformo o outro em um ninguém.
3- Deus lâmpada mágica. Deus pode atender a todas as suas necessidades. Essa afirmação não é mentira, mas será que Deus quer atender todas as suas necessidades? Deus tem sido tratado como um gênio da lâmpada magia de Aladim. Basta apenas uma esfregadinha que Ele aparece e resolve todos os meus problemas.
4 – Deus bola de Cristal. Guardada no Bolso, só é acessada quando precisamos dela.



5 – Deus caixa eletrônico. Você já pediu dinheiro para o seu pai? Foi fácil? Sei que não. Quando precisamos de dinheiro e temos de pedir a nossos pais temos muito vergonha, geralmente pensamos várias vezes se realmente necessitamos e procuramos nos aproximar para poder pedir. Se você não participasse nem ajudasse em nada na sua casa, fosse um completo inútil, você teria coragem de pedir dinheiro ao seu pai? E se você fosse pai, daria a um filho omisso que não faz nada para colaborar com a família? Essas questões nos posicionam num ângulo interessante: porque não temos vergonha de pedir dinheiro a Deus, ou de pedir sua ajuda sem fazer nada para apoiar seu reino? Simplesmente falta de vergonha na cara “cara de pau”, isso porque na realidade, Deus não é tratado como uma pessoa, mas como uma coisa, como um caixa eletrônico. Eu vou até ele coloco o cartão e espero meu dinheiro, não há trocas, relacionamento ou valores morais, mas se Deus fosse tratado como pessoa, pesaríamos, com nosso pai, o que Ele pensará de mim? Mas quando é tratado como coisa, essa consideração é descartada.
6 – Deus oni-ausente. A doutrina tradicional e clássica afirma que Deus é oni-presente, mas a realidade é bem diferente. Como será que seria nossas vidas se Deus estivesse em todo o lugar? Será que nossa vida mudaria? Nossos comportamentos? Nossos relacionamentos? Atitudes? A realidade é que afirma-se que Deus é onipresente e vive-se como se fosse oni-ausente.
Para que haja mudança é preciso confrontar os conceitos populares com os conceitos bíblicos. Nesse processo devemos contextualizar a palavra com a experiência e a prática.  Uma doutrina de Deus relevante deve ser em primeiro lugar se reencontrar na Bíblia, fazer releituras contemporâneas e atualizar seus padrões e conceitos a partir da compreensão dos conceitos populares e seus desvios. Em segundo lugar, o relacionamento com Deus deve assumir o primeiro lugar na compreensão teológica. O Deus absconditus deve ser substituído pelo Deus revelatus. Em terceiro, os conceitos errados e suas falácias devem ser confrontados com os novos conceitos atualizados pela releitura bíblica e social. Apenas dessa forma poderemos reconstruir uma teologia séria e capaz de evangelizar “verdadeiramente” nossa nação.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

O JESUS DO PARAGUAI
Reflexões sobre a Idolatria Evangélica


     Infelizmente o contexto popular brasileiro o nome Paraguai virou sinonimo de pirataria e falsificação. No Paraguai tem de tudo e tudo é pirateado: roupas, sapatos, cd’s, marcas em geral são reproduzidas superficialmente, sem os cuidados exigidos pelos institutos de controle oficiais. A questão que se impõe é sobre a possibilidade de se piratear uma pessoa. Será possível piratear Jesus? Será que Jesus tornou-se uma mercadoria que está sendo adulterada em diversas formas, vendida sem controle e consumida loucamente das formas mais diversas possíveis?
     Essa pirataria possui dois grandes males: Em primeiro lugar, prejudica a marca original, e em segundo lugar, os consumidores finais. Nessa relação, a pirataria parece boa apenas para os contrabandistas. Seguindo nosso raciocínio, o produto adulterado é Jesus, e as adulterações produziram grande desvalorização e desconfiança de seu nome. E Deus? Será que está sendo prejudicado pela pirataria evangélica do nome de Jesus? Será que a pirataria está torcendo o sentido que Deus pretendia passar por meio de seu Filho? E quanto aos consumidores finais, será que estão satisfeitos com as cópias baratas de Jesus? Será que as reproduções superficiais de Jesus têm atendido às expectativas dos consumidores aloprados? E por fim, quem são os contrabandistas e adulteradores do evangelho? Seriam as igreja? Os Líderes religiosos inescrupulosos interessados apenas em lucro fácil?

     Para entender como o “Jesus do Paraguai” afetou a igreja precisamos partir da compreensão da idéia de idolatria e sua relação com a pirataria atual

PIRATARIA: A NOVA FORMA DE IDOLATRIA

     A definição mais ingênua da idolatria é a literal: Idolatria é o culto/serviço a uma divindade/ídolo. Entretanto, como na Pirataria, não existe idolatria onde não há uma marca/culto oficial. O texto de 2Rs 23 testemunha que o Templo de Salomão era um local de diversos deuses e imagens, e não era considerado idolatria, o que aconteceu apenas após a oficialização da religião (2Rs23). Essa definição de idolatria é política, e não contém todo o sentido de Pirataria.
     São os profetas que realmente denunciam a idolatria como pirataria. Os profetas opunham-se ao conchavo representado pelo Rei, Sacerdote e Profeta (Mq 3:11), procuravam defender o povo e denunciar a superficialidade da religião e a futilidade dos reis (Os 5; Am 4; Mq 3; Is 1; Jr 7). Afirmaram que os reis é que estavam em idolatria (Mq 3:11; Os 4-5; Is 1; 66;), pois pirateavam Deus. Para o profeta Idolatria não é o ato de se adorar imagens, mas do ato de criar imagens (cópias superficiais) segundo sua própria vontade (Is 40:19-20; 44:10-17; Jr 10:14; Os 13:2; Hc 2:18;). Nesses textos os profetas não estão criticando o simples ato de se prostrar diante de uma imagem, a questão era maior, referiam-se ao tipo de vida idolatra que levavam. Os reis e a aristocracia praticavam toda sorte de opressão e, quando a situação ficava difícil, corriam para o templo, na esperança de que a “santidade” do templo os guardasse (Pirataria do Templo - Jr 7); praticavam um culto vazio de Deus, ainda que bonito (Pirataria do Culto - Am 5:10ss); viviam a iniqüidade com o ajuntamento solene (Pirataria da Comunhão - Is 1: 10ss), foram condenado pelo profeta Oséias, em seus casamentos com uma prostitua e uma adultera, representando a Idolatria como pirataria do Sagrado. Assim, idolatria avançou da questão literal (Ex 20:3-4) para a compreensão moral da pirataria de Deus.

     Pirataria e Idolatria são a falsificação de Deus para encobrir o desejo de afastamento. Os profetas denunciaram a falsificação de Deus, do culto, do templo e do sacerdócio. O ritual e as leis aparentavam Deus, mas na realidade, ocultavam a perversidade presente no estilo de vida. “Este povo honra-me com os seus lábios, mas o seu coração está longe de mim” (Mat 15:8; Jer 8:8; Mc 7:6).

     Essa tendência Pirata de representar Deus tem repercutido em nossos dias com a Pirataria de Jesus, que foi substituído por uma cópia falsa e barata. Por isso apresento três características que ajudam a revelar a Falsificação de Jesus - O Jesus do Paraguai.

1ª Característica:
O JESUS DO PARAGUAI SÓ FALA O QUE EU QUERO OUVIR

     Uma das principais características é o esvaziamento das palavras de Jesus. O Jesus do Paraguai não fala nada que nos confronte, exorte ou provoque mudança. Isso é tratar Jesus como se fosse uma imagem. A principal correlação está no ato de “ouvir”. Os idolatras realizam suas celebrações a divindades naturais (não-morais) como o deus sol, o deus do trovão, da chuva e do vento, etc... Em todas essas situações o ofertante apresenta seus presentes, faz uma petição e aguarda a resposta da divindade. Na umbanda acontece algo semelhante, o ofertante apresenta seu presente a uma divindade e pede que atenda seus desejos. Nas religiões naturais o culto e os rituais não possuem cobranças de valor moral ou ético por parte das divindades que, geralmente, se limitam a responder sim ou não. Dessa forma, quando um “evangélico” vai à igreja procurando Deus (divindade) e ignora as exigências morais e éticas do evangelho, torna-se um adorador pagão, apresentando uma oferenda de louvor ou dízimos, em troca de bênçãos diversas. Cuidado! Esse produto é pirata e transforma aquele que não ouve Deus em um idolatra. Quando o evangélico vem ao culto e não ouve (atende) a Jesus, trata-o como se fosse uma estátua, essa é a idolatria questionada pelos profetas, a idolatria vivencial. Fala que é de Jesus, mas sua vida testemunha que é adorador de Baal, de Mamon, e outros.

 
2ª Característica:
O JESUS DO PARAGUAI É MELHOR E MAIS BARATO.

     Muitos evangélicos defendem que são melhores porque o Jesus que crêem não está mais na cruz, que já sofreu tudo, e que podemos viver um evangelho de graça, sem dificuldades e problemas. Cuidado, pois se trata de Produto Pirata! O Jesus que não está mais na cruz, com certeza não está no meio da grande profanação que se tornou a maioria dos cultos evangélicos. É uma vergonha dizer que se conhece Jesus e afirmar que o objetivo maior da vida cristã é a prosperidade material.
     O Jesus da Bíblia e dos evangelhos se opôs a superficialidade dos rituais, enquanto que o Jesus do Paraguai é profundamente ritualista e sacramental. O Jesus do Paraguai está em todos os cultos para abençoar, pois o culto é o lugar da benção! Essa afirmação é uma profanação da cruz de Cristo e do sentido do evangelho. A pessoa deve cultuar porque já foi abençoada em Cristo e não para receber a graça pela oração sacramental do pastor e pelo poder dos elementos da ceia.
     O Jesus dos evangelhos realizou suas celebrações ao ar-livre, para todos, sem discriminação ou acepção de pessoas. A Ceia do Jesus do Paraguai transformou-se no sacramento da Igreja, ou seja, se a igreja não oficiar da forma correta para as pessoas corretas não tem valor e, novamente profana-se a cruz de Cristo.
     O Jesus dos evangelhos se opôs à ética superficial do judaísmo que coava o mosquito e engolia o camelo. Enquanto que o Jesus do Paraguai é especialista em coar mosquitos. Muitos evangélicos brigam por causa de roupas, brincos, bancos, microfones, músicas, comidas, etc... enquanto engolem os grandes camelos da indiferença, do preconceito, da insensibilidade, da falta de amor e compaixão. Brigam por causa de uma simples árvore de natal e não movem um dedo para evangelizar seu vizinho. Isso é a idolatria produzida pelo Jesus Pirata.
     O “Jesus” do Paraguai pretende atender a todas as necessidades sem nenhuma exigência moral, enquanto que o Jesus da Bíblia tem como principal requisito o ato de abandonar tudo, tomar a cruz e seguir. Para o Jesus do Paraguai tudo é fácil e rápido. Se o Jesus da Bíblia ensinou que o discípulo deve ir para a Cruz, o Jesus do Paraguai afirma que a Cruz é de Ouro, se o Jesus da Bíblia afirma que teremos provações, o Jesus do Paraguai afirma que já não vamos sofrer, pois ele já sofreu tudo, se o Jesus da Bíblia afirma que devemos nascer de novo do Espírito, o Jesus do Paraguai afirma que o Espírito foi derramado e só é preciso falar em línguas estranhas que já nasceu de novo.
     O Jesus do Paraguai prega a graça barata, sem sacrifício, sem dor, sem sofrimento, negando tudo que o Jesus da Bíblia viveu e ensinou.


3ª Característica:
O JESUS DO PARAGUAI: LA GARANTIA SOY YO!

     Por fim, o Jesus do Paraguai só tem um defeito: a garantia. Como todo produto pirata a garantia sempre é duvidosa e depende de quem vende o produto. Assim, os propagandistas do Jesus do Paraguai centralizam seu produto em sua própria imagem. Procuram andar sempre de carrões importados, vestem os melhores ternos, comem nos melhores restaurantes e se hospedam nos mais requintados hotéis. Com isso denunciam a fraqueza de seu produto que depende da imagem deles para ter sucesso. Muito diferente do Jesus da Bíblia, que não depende de imagem humana, que nasceu numa estrebaria, que andou entre os pobres e pecadores, que enfrentou toda a fraqueza e sofrimento da cruz, e em todas essas coisas nos tornou mais que vencedores. Essa é a diferença. O produto do pirata não tem segurança, não tem garantia e depende da imagem pessoal para prosperar, muito diferente do Jesus da Bíblia no qual está toda a segurança e garantia que superam todo tipo de fraqueza humana.
     Diferente do produto pirata, no Jesus dos evangelhos, podemos confiar, certos que nunca falha, e que por fim não nos decepcionará, pois naquele dia, em que o Pai reunir sua Igreja, tenho certeza de que aqueles que procuraram as facilidades de um Jesus Pirata decepcionar-se-ão com a superficialidade do Jesus do Paraguai e com a dura pena aplicada a todos que praticam a pirataria, mas que nesse caso, será cobrada não pelo Leão da Receita Federal, mas pelo Leão da Tribo de Davi!

Que Deus Nos Abençoe!


Nota: Nesse texto o termo “Paraguai” não possui cunho etnico, sendo utilizado de acordo com a cultura brasileira que, a partir da experiência dos vendedores ambulantes de artigos falsificados (Piratas), banaliza os produtos do Paraguai.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Cristianismo Fora de Foco



          Você já revelou uma fotografia que estava fora de foco? O Modelo estava na posição correta, a máquina fotográfica na posição correta, o fotografo estava na posição correta, entretanto a imagem final tonou-se distorcida.O que aconteceu?  O processo fotográfico consiste de uma câmara escura, uma película foto-sensível para impressão de imagem e uma abertura para entrada de luz. A impressão perde o foco quando há distorção na luz. Mas o que é uma fotografia, se não uma forma de apreender a realidade em uma imagem? Esse processo nos alerta para a seguintes questões: Será que a Igreja de Jesus perdeu seu foco? Se fossemos revelar uma fotografia do cristianismo atual o que apareceria?  Quais as principais distorções e imagens o cristianismo atual (brasileiro) tem produzido?
         
           Para compreender essa questão de foco proponho, por meio de um olhar no ministério dos profetas e de Cristo, uma reflexão sobre o real sentido da voz profética.  

            A principal relação do profeta com a voz profética é a defesa do povo. Mas o que é voz profética? Como a ausência de foco distorce o sentido do termo "voz profética"? Voz profética não é voz politiqueira, nem voz legalista, nem voz preconceituosa, nem voz que defende apenas os ideais religiosos de um único grupo. A voz profética na Bíblia é essencialmente a defesa do outro como Defesa da Vida, mas defesa de que e de quem? Os profetas autonomos (não vinculados ao templo ou ao reino), como Amós, Oséias, Isaias e Miquéias, viviam numa época não diferente da nossa, com partidos políticos e crises morais, entretanto, nunca são vistos defendendo partidos políticos por serem mais favoráveis à sua religião, e muito pelo contrário, o profeta Jeremias, por exemplo, contra sua própria religião pede para que o povo vote no partido opressor (Babilônia) e é altamente reprovado pelos falsos profetas do partido Aristocrata Jerusalemita (Jr 27). A voz profética também não é uma guerra legalista contra atitudes imorais. O principal foco dos profetas também não é denunciar o pecado (legal e ritual) dos líderes, e muito menos do povo. Eu não consigo imaginar o profeta Oséias condenando a prostituição ou o adultério como práticas imorais, (principalmente porque ele casou-se com uma prostituta e uma adultera), ou ver Elias contrário à pena de Morte (matou os profetas de Baal), ou ver Jesus condenando a igreja por aceitar pessoas impura (serviu a "ceia do Senhor" para Judas). Voz profética não é voz legalista, ritualista ou política. Voz profética é a voz de Deus para salvação do oprimido.
          A Voz profética não vê o partido ou a religião, mas a pessoa. Desde o antigo Testamento a voz profética é a ação de Deus para libertação (não apenas do seu povo, mas de todos que dela careciam - Am 9:7). O êxodo fala que Deus ouviu o clamor de seu povo. Foi a necessidade e opressão diante de faraó que motivou a voz profética de Moisés. Faraó representava o governo, a direita, a aristocracia dominante, enquanto que Moisés era a oposição, o MST do Antigo Testamento. Outro caso muito relevante foi o do Sírio Naamã, que independente de usa fé e posição política foi identificado como alvo da voz profética. Amós, Oséias, Miquéias, Isaias e Jeremias também representavam a voz profética como oposição ao Governo e sua aliança com o Templo (Am 5; Os 4-6; Is 1; Mq 3. Jr 7). Não era uma voz legalista, ritual, ou política, mas uma voz profética, voz em defesa do oprimido, explorado, sem direitos e sem defesa. A voz profética do Antigo Testamento primava pela salvação e preservação da vida como foco principal. Os profetas não faziam propaganda de partidos políticos como solução para salvação do povo, antes anunciavam o Juízo de Deus como solução para a opressão e destruição do outro (Am 2,6-16; 3,10-12; 5,7-17; 6,1-7; 8,1-3).
          Ouvi isto, vós que pisais os necessitados, e destruís os miseráveis da terra, dizendo: Quando passará a lua nova, para vendermos o grão? e o sábado, para expormos o trigo, diminuindo a medida, e aumentando o preço, e procedendo dolosamente com balanças enganadoras, para comprarmos os pobres por dinheiro, e os necessitados por um par de sapatos, e para vendermos o refugo do trigo? (Amós 8:4-6).
          Outro exemplo claro está  no ministério de Jesus Cristo. Será que Jesus seguiu no caminho dos profetas? será que assumiu postura diferente de seus antecessores? Novamente o retrato pode nos ajudar. Você consegue ver Jesus defendendo um partido político por ser a melhor forma de exercer seu governo sobre os homens? (como se um partido político fizesse toda a diferença). Você consegue ver Jesus condenando as prostitutas? os adúlteros? os funcionários do governo opressor (publicanos)? como sendo responsáveis pela destruição da família e valores cristãos? A torção da compreensão de "Voz Profética" resulta na interpretação torcida do ministério de Cristo.
            Jesus, como os profetas, não assumiu nem defendeu um partido político, ou um legalismo ritualista, antes defendeu a pessoa da opressão causada pela opressão dos partidos de sua época. Ao Saduceu - Aristocracia Governante - apresentou a parábola do Bom-Samaritano, onde critica a opressão e racismo legalista; ao Fariseu - apresentou sua crítica ao legalismo superficial; aos Zelotas, apresentou sua postura pacifista. Em todas as situações Jesus defendeu a pessoa e apresentou o Pai, como julgador do dia final, e única solução para a humanidade  
           A Voz profética de Cristo não é uma voz Legalista ou Ritualista. Jesus não se pôs a condenar o mundo; nem mesmo criticou, sua missão é salvá-lo. Jesus não deixou que questões laterais alterassem seu foco. O ritualismo e o legalismo acabaram por ser derrotados pela urgência e superioridade de seu alvo: a salvação do oprimido. Jesus entendia bem que o principal problema do mundo não era o pecado ritual ou legal, mas a alienação (Paul Tillich). Assim, não lutou contra o pecado (ritual e legal), você não vê Jesus travando uma luta para "purificar" o mundo, ou as pessoas, mas para desaliená-las. Jesus não condenou a mulher adultera (Jo 8:11); nem a pecadora (Lc 7:37-50); muito menos os leprosos ingratos (Lc 17:12ss); ou o cobrador de impostos (Mt 9:9); entretanto todas essas pessoas e muitas outras foram desalienadas, incluídas na vida de Deus, integradas em seu reino. Jesus não perdeu o foco diante do pecado (Ritual ou Legal). Mesmo os traidores indignos partilharam da voz prófética (Jo 13), pois, para Jesus, a restituição da pessoa é o alvo da voz profética. Jesus entende que não é o pecado que está destruindo as famílias, mas a opressão politica e religiosa que aliena as pessoas de Deus, do próximo e de si mesmas, levando as pessoas a destruirem-se, e o pior é que entendiam que essa distorção era um serviço prestado a Deus (Jo 16:1-2).  
          Assim, como está nosso retrato hoje? Qual impressão nossa vida produz diante do feixe de luz da mensagem dos Profetas e de Cristo? e como a Igreja de Jesus está na foto?
          Infelizmente há muita distorção! Várias outras mensagens estão sendo pregadas em lugar de Cristo. O Legalismo e o Ritualismo estão sendo colocados como centro da Igreja, o que tem levado muitos a verem o pecado como principal problema do mundo e ao não entendimento da alienação de Deus e do próximo como a maior ameaça da raça humana.
         Nesses tempos de política, quando as luzes estão apontadas para a posição da Igreja, a foto é revelada drasticamente, e muitos "evangélicos" desejam descaradamente voltar para idade média. Será que não aprendemos nada? será que os mil anos de trevas presos a um Estado governando ao Lado da Igreja não foram suficientes?  Será que as atrocidades praticadas por Calvino em Genebra não foram suficientes? O poder cegou os olhos da fé de modo que muitos não conseguem enxergar as distorções e distanciamento de Cristo. Não enxergam seu torpe desejo por poder que almeja impor sua vontade sobre a do fraco e do oprimido, seu senso de justiça está distorcido, pois o mal para o outro não tem problema desde que o bem para eles seja imposto, e isso, custe o que custar.
          "É vontade de Deus que os crentes estejam no poder, pois assim poderão pregar a palavra de Deus". Essa frase é uma grande falácia! (Até parece que os crentes gostam de pregar a palavra de Deus! Do jeito que o cristianismo anda, é provável que, se houver uma lei reduzindo a regularidade do culto para uma vez por mês, os crentes sejam os primeiros a aprovar.) 
          O deslocamento do foco é nítido assim como a ausência total de padrão ético.  Os crentes podem estar no poder para impor sua vontade e os outros que lhe submetam. O que aconteceu com o amor ao próximo? e como o amar o outro como a si mesmo? e ao Amar aos vossos inimigos, pois amar os amigos é fácil? Não vemos ninguém se levantar com uma posição cristã. Realmente falta voz profética, mas a autêntica voz profética, que procura a vontade de Deus em primeiro lugar. O Ide de Jesus foi abandonado e está sendo trocado por debates legalistas e moralistas em torno de temas polêmicos, o amor está sendo trocado pela agressão polítca e pública, os padrões éticos do evangelhos foram substituídos por uma ética marqueteira interessada em poder e desinteressada do Outro. O termo "a qualquer custo" passou a ser um imperativo entre candidatos "evangélicos". Eu nunca vi, em toda minha vida de evangélico, tamanha nojeira política envolvendo a Igreja de Cristo!
         Fora de foco? Não.
         Na verdade, o filme já queimou faz tempo.
        Que Deus possa nos ajudar! 















 







domingo, 19 de setembro de 2010

PENTECOSTAIS: ARMINIANOS OU CALVINISTAS?

Escolhi abordar esse tema em vista da grande confusão existente na compreensão da doutrina da Salvação e sua relação com os sistemas calvinista e arminiano.

Originalmente os Pentecostais descendem do movimento de rua Azuza que, por sua vez, desenvolveu-se a partir do movimento Holiness (Movimento de Santidade) motivado e propagado pelo metodismo. Para entender esse movimento precisamos compreender primeiro o calvinismo.

O Calvinismo, nascido na reforma, é a adoção do sistema teológico (Platônico) defendido por Agostinho de Hipona aliado a uma forma de governo “teocrática” (Governo de Deus), sendo que prefiro o termo “eclesiocrática” (governo da Igreja).

O Movimento de Santidade nascido de dentro das igrejas reformadas (principalmente metodistas), procura enfatizar a necessidade de uma conversão individual, uma conversão pessoal e verdadeira. Isso só pode ser entendido se conhecermos a doutrina da salvação pós-reforma: Sola Fide e Sola Gratia.

Ambas as doutrinas – Sola Fide e Sola Gratia – foram escritas em oposição à Igreja Católica Romana que pregava as indulgências como forma de alcançar a salvação. Assim, para o catolicismo a pessoa só chega a Cristo por meio da Igreja; e na reforma protestante, a pessoa só se torna a igreja por meio de Cristo. Dessa forma as indulgências foram banidas e a salvação passou a estar unicamente em Deus, ocultas em Deus, nos seus decretos eternos. Somente Deus decide a salvação, nada, nem mesmo os “sinais de salvação” (que é a vida na Igreja) podem afirmar a salvação. Podemos concluir nesse super-breve resumo que a doutrina da salvação na fé reformada nasceu em oposição à fé católica, e foi desenvolvida numa prática nacionalista: A Alemanha é Luterana, Genebra é Calvinista, Inglaterra é Anglicana, etc...

Essa perspectiva sem participação humana fez com que a salvação fosse algo nacionalista, todos que nascem na Alemanha são luteranos, não precisam aceitar Jesus, pois já nascem em uma nação protestante. O mesmo aconteceu com as nações calvinistas.

Em oposição a essa perspectiva de salvação infrutífera e impessoal surgiu o movimento de Santidade procurando recuperar o vigor da Igreja Primitiva, retornar ao primeiro amor, encontrar o verdadeiro sentido da salvação. O principal advogado desse espírito de reavivamento foi Wesley. Sua principal mensagem foi a “segunda benção”, uma experiência de coração aquecido que despertava amor pelas almas. Wesley afirma que só se converteu verdadeiramente após seu aquecimento de coração. Essa mensagem produziu grande aversão no protestantismo da reforma, pois contrariava os “Sola’s” e pregava a necessidade de uma conversão genuína, duvidando da “conversão nacional”. Esse movimento de despertamento encontrou força no Arminianismo, uma vez que sua teologia (uma moderação do calvinismo) procurava levar as pessoas a participarem de sua salvação, a buscarem santidade e mudança de vida.

Diante desse breve histórico esboço uma pequena teologia sistemática para compreensão do problema e definição de uma linha teológica para o pentecostalismo.

PRINCIPAIS CRENÇAS PENTECOSTAIS:

a) Os pentecostais crêem que se uma criança morrer na idade da inocência não vai para o inferno.

b) Os pentecostais crêem em livre arbítrio – O Homem é responsável por seus atos.

c) Os pentecostais não crêem que Deus escolheu uns para o céu e outros para o inferno.

Mediante essas três afirmações esboçarei os erros teológicos comuns às teologias pentecostais contemporâneas e proporei um pequeno esboço de teologia que condiga coerentemente com nossa fé pentecostal.

ERROS TEOLÓGICOS COMUNS:

MISTURAR CALVINISMO COM ARMINIANISMO. O principal erro teológico na maioria dos teólogos pentecostais é entender que teologia é salada de fruta, podendo colocar e tirar o que quiser e quando quiser. A teologia SISTEMÁTICA indica que existe um sistema de idéias interligadas, ou seja, a doutrina de Deus está ligada com a doutrina do homem e com a doutrina de Cristo, Salvação, Espírito Santo e Escatologia, uma alteração na doutrina do homem, ou em qualquer outra, e todo o sistema estará comprometido. Veja o seguinte exemplo bem comum:

“[...] a Biblia não só revela o primeiro estado do homem, como relata a história da perda do seu primeiro estado de santidade, pela Queda, e também a possibilidade de sua restauração (Cl 3:10; Ef 4:24)”; “Portanto, já nascemos espiritualmente contaminados (Rm 5:12) [...] o homem tem dentro de si uma natureza pecaminosa [...]”; “Segundo a Bíblia, o pecador não sabe escolher o bem; ele sempre opta pelo mal [...] a causa é o pecado congênito em nossa natureza decaída”; “Deus não elege uns para a salvação, e outros, para a perdição. O homem é capaz de fazer a livre-escolha. E a graça de Deus não é irresistível, como muitos ensinam [...]”(GILBERTO A, et all, Teologia Sistemática Pentecostal, Rio de Janeiro:CPAD, 2008, pp.306,344,346,367).

“Adão e Eva foram criados “bons” (p.267) [...] o pecado de Adão afetou muito mais que a ele próprio [...] Esta questão é chamada pecado original [...] Por estar a natureza humana tão deteriorada pela Queda, pessoa alguma tem a capacidade de fazer o que é espiritualmente bom sem a ajuda graciosa de Deus.”; “Se o pecador optar por arrepender-se e crer, Deus é o único agente ativo. Se o pecador optar por não se arrepender ou não crer, a culpa é inteiramente deste” (HORTON S. M. Teologia Sistemática, Rio de Janeiro:CPAD, 2002, p. 267-269;p.367)

Ambos os autores (Assim como muitos outros teólogos pentecostais) produzem um erro teológico grotesco: Como uma pessoa que tem sua natureza caída pode chegar a crer sem a atuação de Deus? Como uma pessoa com a natureza caída pode possuir livre escolha? Como alguém com natureza deteriorada pela Queda pode escolher arrepender-se e crer? O sistema calvinista possui uma resposta que condiz com seu sistema: A Eleição Eterna e Incondicional de Deus, já os pentecostais querem que o homem possua uma natureza caída e sejam capazes de escolher crer ou não crer.

DESCONSIDERAR A CAUSALIDADE. Outro erro conseqüente do primeiro é ignorar a causalidade em um sistema. Todo sistema, para ser um sistema, deve ter princípios de causalidade (Causa e Efeito). Assim, a crença na doutrina da Queda produz os seguintes efeitos: A Queda pressupõe estado de Graça Original, que por sua vez pressupõe o Pecado Original, que pressupõe a total incapacidade humana; que pressupõe a Eleição e Salvação unicamente por Deus. Ou seja, crer na Queda é o mesmo que crer na eleição incondicional para o céu e para o inferno, e crer que as crianças serão condenadas, mesmo na inocência.

CONSTRUÇÃO DE UMA TEOLOGIA ARMINIANA MODERNA

O Arminianismo original também acreditava na Queda, o que gerava uma crise em seu prédio teológico (heresia), motivo por que foi condenado no sínodo de Dort. Assim, uma teologia pentecostal equilibrada com suas crenças salvíficas deve:

1) Acreditar na Criação perfeita, mas sem algo como a Graça Original. No máximo, podemos afirmar que a graça original era a presença de Deus que o homem perdeu.

2) A consequência será a eliminação da doutrina da Queda e do Pecado Original. (Termos que a propósito, nem aparecem na Bíblia). O Pecado não deturpou a natureza humana, mas afastou o homem de Deus. O homem tem a capacidade de decidir-se por Deus em Cristo desde que tenha sido alcançado pela ação (externa) da palavra, da Igreja e do Espírito Santo.

3) Essa doutrina possibilitará uma doutrina da Salvação mais equilibrada, onde o homem pode decidir seguir ou não a Cristo, mas sem Cristo, sua palavra e seu testemunho, o homem não tem como decidir-se pela salvação. Ele pode escolher, mas apenas em Cristo. O Homem não se salva, mas encontra a salvação.

4) A salvação não é uma regeneração natural de um pecado natural passado de pai para filho, mas a aproximação do homem a Deus mediante Jesus Cristo.

5) O Espírito Santo não é um agente interno para salvação (Sendo derramado nos corações para convencer os homens do pecado), mas um agente externo de testemunho da palavra de Deus por meio dos sinais e do poder e missão da Igreja. O Espírito fortalece o crente para testemunhar e alcançar os perdidos.

6) Eclesiologia: Ser igreja é viver o IDE

7) Escatologia: Aproximação e Identificação de toda humanidade com Deus por meio de Cristo.

Qualquer dúvida estou a disposição

Pf. Eduardo Sales de Lima

terça-feira, 14 de setembro de 2010

A POLÍTICA DO TEMPLO DE SALOMÃO E A CRISE ÉTICA DA IGREJA ATUAL

Recentemente assisti uma reportagem na Record sobre a Construção de uma réplica exata do Templo de Salomão em São Paulo como sendo a possibilidade de um grande reavivamento da fé evangélica em todo o mundo. Paralelamente acompanho as crises marketerias entre Pastores e Políticos, em que o nome de Jesus e Satanás são usados para propagar campanhas políticas. E por fim os Mega-Eventos evangélicos, Shows de música Góspel, Congressos e mais Congressos em que o povo de Deus, cegamente confia sua salvação. Qual a ligação desses eventos? Será que representam sinais de uma grande crise ética na Igreja de Cristo?

Para começar essa reflexão vejamos o que é ética:

Numa de suas definições mais simplórias, a ética é a norma de certo e errado. Todavia essa definição não se aplica bem à ética, pois os conceitos de certo e errado são regulados pela moral, dessa forma a ÉTICA por sua vez é o estudo da atividade humana com relação a seu fim ultimo, que é a realização plena da humanidade .

Moral: conjunto de princípios, crenças, regras que orientam o comportamento das pessoas nas diversas sociedades. Ética: reflexão crítica sobre a moral e sua relação com o fim último da sociedade. (fim último= Objetivo Ideal).

Para entender o conceito de ética baseado no ideal proponho o seguinte quadro sobre a ética e sua relação com o Sagrado e o Profano:



O que esse quadro revela? Nada além do distanciamento ético da Igreja em relação a Jesus e ao cristianismo primitivo. Será que Jesus aprovaria uma Igreja que vive para o Templo? Que tem na prática dos rituais eclesiásticos e de purificação do mundo o centro de sua fé? Será que a Igreja atual (principalmente seus líderes) preocupados em preparar crentes para atender às necessidades da Igreja esqueceram de preparar os crentes para as necessidades de Cristo?

A infeliz realidade ética é que a Igreja atual não forma servos de Cristo, mas servos do Templo. A reconstrução do Templo de Salomão é a prova real de que a Igreja atual não sabe a que espírito pertence (Lc 9:54-55), pois o Templo de Salomão foi uma das instituições que mais oprimiu o povo hebreu. O Templo era usado como forma de opressão e arrecadação. Não era um local de culto e adoração, mas de manipulação e opressão religiosa.

A autoridade do rei provinha do Templo; a força do exército provinha do templo; os códigos legais provinham do templo; as grandes decisões dependiam do Templo; com toda essa representatividade não demorou para que a economia fosse dominada pelo templo. As alianças políticas e econômicas eram efetivadas no templo, Gn 31:53; tornou-se legislador da economia Nm 31:12; Dt 20:14; orientador da prosperidade Ml 3:10; da produção e agricultura Rt 1:6; Ez 8:14; restauração de relações comerciais Lv 6: 1-7; regulamentava o serviço bancário Dt 23: 19-20; 24:10-13; regulamentava os direitos do trabalhador Dt 24:14-15; regulamentava a contribuição social e sustento do templo pelo dízimo Dt 26: 12- 14; serviço cartorário de guarda das escrituras, casa do Tesouro Ml 3:10; Depósito do tesouro real 1Rs 7:51; 2Rs 16:8; 18:15; 2Mc 3; Segundo Josefo os mais abastados guardavam suas riquezas no templo devido à segurança que ofereciam, mesmo as viúvas e os órfãos guardavam sua poupança no templo 2Mc 3:10; Ne 12:44; 13:5ss; O templo de Jerusalém possuía 7 grandes cofres de coleta: 1) para o imposto da didracma; 2) para os sacrifícios diários; 3) para o excesso dos tributos anuais; 4) para as sobras dos sacrifícios diários; 5) fundo de administração da farinha, vinho e óleo; 6) fundo de construção do Templo; 7) para o Tesouro do Templo; è provável que também concedesse empréstimos à Juros, pois Josefo afirma que assim que os zelotas tomam a cidade em 66 d.C. imediatamente queimam os arquivos do templo para eliminar as provas de sua dívida. O Serviço de Imposto de Renda e Regulação da Economia estavam ligados direta ou indiretamente ao Templo. (SALES, E – Ideologia Política no Antigo Testamento, CETAD – 2009).

Uma leitura cuidadosa dos profetas permite situar o Templo a partir da perspectiva do povo. No profeta Oséias, os sacerdotes desejavam o pecado do povo, pois aumentaria a oferta (Os 4:8); no profeta Amós, o templo pertence ao Rei e não a Deus (Am 7:13); em Jeremias o Templo virou covil de ladrões (Jr 7:11) e para esse profeta, como para Isaias, Deus nunca pediu sacrifícios (Jr 7:22; Is 1: 11-15); e por fim o próprio Templo é questionado como casa do Senhor (Is 66:1-3). Essa perspectiva é renovada nos profetas do Exílio com a idéia de um novo templo (Is 6517; segundo o coração do Senhor Jr 31:31; Ez 11:19). Nos apocalipses apócrifos é comum a idéia de um novo Messias e um novo Templo. Essas noções são confirmadas por Jesus que desenvolveu seu ministério fora da opressão do Templo que separava o Sagrado do Profanos condenando os povos de outras nações como Profanos e Impuros. Diante dessa perspectiva Jesus profetizou a destruição do Templo e a reconstrução a partir de sua própria ressurreição (Mc 14:58; Mt 24:1-2).

Mas por que os crentes anseiam pelo Templo? Pelo mesmo motivo que despendem tanta energia e dinheiro com Mega Eventos, com Shows de música Gospel, Congressos e mais congressos, ou seja, por ter-se tornado numa comunidade Eclesiocêntrica (Igreja no Centro). Assim como no Antigo Testamento, as comunidades atuais tem trocado o Senhorio de Cristo pelo Senhorio do Templo. Toda a vida das comunidades que se dizem evangélicas está centraliza no Templo. Se acabarem os cultos e os ritos as comunidades evangélicas atuais morrem. Sua fé, sua liturgia e sua ética estão centralizadas no Templo de forma que, toda divergência do Templo é tida por herética, proscrita e profana, como no judaísmo antigo. Será que a ética de Jesus condiz ou contrapõe essa ética que qualifica o puro e o impuro a partir dos rituais e da legislação Religiosa?

Desde o princípio Jesus assumiu uma ética do Outro, diferente da ética assumida pelo Judaísmo antigo e pela Igreja Atual.

Segundo Brueggemann (1983), o ministério de Jesus foi uma crítica que, como nos profetas, se opõe às estruturas dominadora e busca a libertação do povo. Afirma que, com o perdão (Mc 2:1-11) Jesus liberta Deus das cadeias do Templo, pondo em risco toda sociedade que, naquela época, era organizada a partir do Templo, principalmente os mecanismos de coleta. Confrontou a opressão oculta no Sabath (Mc 3:1-6); e a presença de Jesus para comer com os pecadores (Mc 2:15-17) era uma forte ameaça ao sistema de sacrifícios e às tradições e rituais de purificação. Em sua oposição ao Templo (Mc 11:15-19; Jo 2:18-22) por citações extraídas do profeta Jeremias (Jr 7:11), colocou em risco a doutrina da predestinação baseada na eleição especial de Sião e do Templo. (SALES, E – Ideologia Política no Antigo Testamento, CETAD – 2009).

A ética de Jesus valoriza o Outro acima da Lei (Jo 8); o perdão que deveria ser comprado com sacrifícios no Templo foi substituído pelo perdão gratuito na fé em Jesus; as autoridades foram substituídas pela disposição de uma criança (Mt 18:1-3); Jesus libertou o culto das rixas étnicas e culturais (Jo 4); propôs o “Ide e fazei discípulos” como principal tarefa da Igreja (Mt 28:19); ensinou a superação da justiça legalista como critério para adentrar ao Reino de Deus (Mt 5:20); e o amor ao próximo como resumo da Lei e dos Profetas (Mt 7:12; Mt 22:40). Assim diante dessa ética de Jesus, por que as comunidades que se denominam evangélicas ainda assim continuam seguindo a ética do Templo?

A ética do Templo é uma ética política baseada na profanação do Sagrado pela sua relação com os poderes seculares (O Templo a serviço do Estado). Desde sua criação o Templo de Salomão foi um modelo religioso de manipulações políticas (1Rs 1). Durante a história dos reis de Israel e de Judá o templo serviu aos propósitos do Rei que constituía e depunha os sacerdotes de acordo com seu partido político-religioso. Quando Jerusalém foi governada por Reis Javistas, o sacerdote do templo era Javista, quando foi governada por Reis crentes em Baal, o sacerdote do templo era de Baal. O papel do templo era legitimar a realeza e suas formas de opressão (Am 7:13; Jr 7).

Atualmente muito da ética das comunidades chamadas evangélicas tem contribuído para a profanação do nome de Jesus, usando-o para promoção de campanha política: “Vote em mim porque sou um candidato de Jesus”; “Não vote em fulano porque não é um candidato de Jesus”. Esses argumentos são profundas falácias e manipulações do Sagrado com objetivos eleitoreiros. É uma vergonha que Homens e Mulheres de Deus façam tal profanação de seu nome. Assim, observe a falácia: Será que existe candidato de Jesus? Ou melhor, uma coisa é servir ao Reino de Cristo por meio da Política e outra coisa é usar o serviço ao Reino de Cristo como propaganda eleitoreira. Enfim, a maior prova das falácias são as muitas candidaturas que naufragam revelando que não eram tão de Deus assim, pois se fosse, teriam inevitavelmente ganhado. Como toda demagogia e falácia, falar é fácil!

É uma vergonha que líderes “cristãos” ainda não tenham aprendido de Cristo como tratar seus opositores, pois Cristo até a última hora partilhou seu pão com Judas, foi entregue à cruz e em todas os momentos venceu a violência da cruz pela não violência da fé (René Girard). Cristo não destruiu os diferentes e pecadores, ou os que lhe atacavam, nem ainda os traidores. Quanto mais lhe atacavam, mais misericórdia recebiam.

Por outro lado, numa atitude muito diferente de Cristo, muitos “homens e mulheres de Deus” se põe a demonizar o outro, destruir a integridade moral e social do próximo dizendo que com isso prestam um serviço a Cristo, essa atitude de destruição do outro é classificada na Bíblia como Satânica (Jo 10:10), assim como a utilização do Nome de Deus para fins pessoais (Mt 4:1-11), essa ética é classificada como satânica por ser Anti-Cristo.

Por fim essa ética torcida de comunidades que se chamam evangélicas, que valoriza o templo como instituição de centralização da vida religiosa e propõe a destruição do outro (seja quem for) pela demonização e manipulação do sagrado expressam seu verdadeiro interesse, que não é a propagação do reino de Cristo, mas de seu próprio reino. Ao usar o nome de Deus, pretendendo ser guias de cegos, legislam em causa própria, envergonham o evangelho de Cristo trocando-o pela antiga mensagem do senhorio de Deus executado pela ética do Templo que funciona sob a mão do carrasco opressor.

Que Deus Tenha misericórdia de Nós!