domingo, 26 de junho de 2011

LIVRANDO A CARA DA MULHER DE JÓ

 
 
Um dos personagens mais criticados da Bíblia é a mulher de Jó. Os capítulos 1 e 2 do livro narram Jó como um homem próspero e temente a Deus que foi provado a ponto de perder tudo, fazenda, bois, ovelhas, servos e até seus filhos. Esses capítulos afirmam que Jó foi fiel e temente a Deus, em nada blasfemando contra Deus. Nesse momento de dificuldade surge a mulher de Jó afirmando: Jó 2:9 Então, sua mulher lhe disse: Ainda conservas a tua integridade? Amaldiçoa a Deus e morre. Essa atitude produz profunda indignação em todos que leem a história. Mas será que apenas esse pouco conhecimento da história é suficiente para condená-la? Será que ela não está com a razão?
Este breve artigo pretende, em alguns poucos parágrafos, corrigir a injustiça de interpretar a mulher de Jó como se fosse uma pessoa fútil e incrédula.
Para a compreensão dessa história é preciso ler mais que apenas dois capítulos do livro. Assim, entendemos que o livro de Jó narra uma história muito antiga já citada no livro de Ezequiel (14:14) ao lado de Noé e Daniel. A história de Jó desenvolveu-se e foi reunida em um único livro no período pós-exílico. Este livro possui dois contextos, um pré-exílico e outro pós-exílico. Os especialistas afirmam que são dois livros, um dentro do outro. O mais antigo (capítulos 1-2 e 42:12-17) e o outro, mais recente, contendo o miolo do livro. 
De acordo com essa estrutura do livro é possível afirmar duas interpretações para a mulher de Jó. A primeira centrada nos capítulos 1 e 2 do livro, para os quais a mulher é uma murmuradora incrédula e insensível à condição do marido (essa é a versão que conhecemos). A outra, que “livra a cara” da mulher de Jó é a do miolo. Mas o que diz o miolo desse livro?
No geral o Jó do miolo é diferente do Jó dos capítulos 1-2. O Jó do começo é paciente e suporta tudo calado sem murmuração, enquanto que o Jó do miolo do livro é rebelde e respondão (7:17-27; 9:20-24; 13:3,18-27; 16:8-20; 24:12). Porque essa diferença? É simples. O Jó do começo representa a tradição transmitida pelo sacerdotalismo que oprimia o povo e afirmava ser essa a vontade de Deus (Miq 3:11). Os filhos eram vendidos, os campos eram tomados, as fazendas eram desapropriadas, as famílias eram escravizadas e ao perguntar sobre Deus, os sacerdotes corruptos pregavam a história de Jó, que também sofreu, mas como suportou calado e sem murmuração recebeu tudo em dobro no final, que manipulação
terrível!
          Antes de você me chamar de herege e de me condenar junto com a mulher, quero que você conheça o Jó do Miolo, pois é ele quem faz essas acusações.
O Jó dos 40 capítulos restantes não se cala diante da opressão. É um líder do povo, um profeta que vê a opressão e aponta os verdadeiros problemas a que se dirige o livro (Jó
24:2-11). 
Jó 24:2-5 Há os que removem os limites, roubam os rebanhos e os apascentam. Levam do órfão o jumento, da viúva, tomam-lhe o boi. Desviam do caminho aos necessitados, e os pobres da terra todos têm de esconder-se. Como asnos monteses no deserto, saem estes para o seu mister, à procura de presa no campo aberto, como pão para eles e seus filhos.                 
        Os verdadeiros problemas que produziam o sofrimento de Jó não eram aflições por causas naturais, mas opressão dos poderosos sobre os fracos (Jó 3:11-20). Esse é o contexto do pós-exílio (Ne 5:1-5) onde os filhos eram vendidos e havia distinção de classes entre a nobreza e o povo. O interessante é que tanto em Neemias como em Jó, as mulheres é que se levantam e murmuram. Sua reclamação é válida, pois a religião estava escravizando e penhorando seus bens, seus filhos e suas vidas. Em apoio a essa tese, numa leitura do livro de dentro encontramos Jó falando da opressão do povo, inclusive de escravidão (Jó 6:14-15,27; 7:1-3); confrontando a teologia de seus “amigos”, cheios de palavras bonitas, mas vazios de Deus (Jó 4:7-9). Esses amigos de Jó são representantes do livro da frente, dos capítulos 1 e 2. Eles querem que Jó fique calado (Jó 5:15-27), como representantes da teologia opressora que tomava tudo dos outros, e ainda acreditavam ser abençoados por Deus. Eles não pregavam misericórdia, apenas a opressão da lei (Jó 6:22-29).
       O Jó da frente fica calado diante da opressão, iludido pelas falsas palavras que diziam ser a vontade de Deus, mas o Jó do miolo do livro, esse age como a mulher do capitulo 2, ele se levanta e confronta aquela visão de Deus (Jó 16:7-17), Jó confronta aquele “deus tirano” e afirma que há um no céu para defendê-lo daquele “deus opressor”.
       Diante da tentativa de abafar o clamor do povo, o Jó do miolo do livro afirma que seus discursos são pura tapeação (Jó 21:34), mentira (Jó 13:4) e contesta a teologia de um Deus opressor que abençoa os justos (Ricos) e pune os (Injustos) pobres (Jó 21:7-21). 
        Por fim, o Jó do Miolo revela que o “deus” que antes ele conhecia apenas de ouvir era um “deus estranho” opressor, destruidor da família e da vida, que punia o pobre ainda que fosse justo, e abençoava o rico mesmo que injusto. Mas que agora seus olhos  contemplavam Deus, o Deus verdadeiro, a Testemunha no céu contra o “deus tirano(Jó 16:19), o Redentor que por fim se levantará em glória (Jó 19:25).
       Assim, ao reler a história dos capítulos 1 e 2 entende-se que faziam parte de uma leitura  opressora que pretendia abafar e denegrir o clamor dos injustiçados e oprimidos (a mulher de Jó) e exaltar a atitude de “humildade” e sujeição de Jó. Dessa  feita, pode-se entender a reclamação da mulher à luz do livro como sendo um  clamor do povo para que os pregadores do Templo (representados pelos amigos de  Jó) parem de pregar esse “deus opressor” e deixem o povo em paz. O livro de Jó  não é uma pregação da paciência, mas a pregação do clamor, da confiança no Deus  verdadeiro e na fé de que Cristo é nossa testemunha e intercessor entre o homem  e Deus.
 
Amem! Que Deus nos abençoe!


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