Uma das maiores e mais famosas empreitadas culturais da história. Alexandre o Grande, principal ícone do império Grego, implantou diversos centros culturais (alexandrias) por todas as partes de seu império. Sua intenção era expandir seu domínio, não apenas militar, mas principalmente ideológico-cultural.
As alexandrias eram mais que cidades culturais, mas uma estratégia de dominação pela transformação cultural. O discurso falava de helenização dos bárbaros, de levar educação para os incultos, de levar escolas técnicas para os que não tinham profissão, de aproximar as culturas. Mas para que esse processo acontecesse era preciso substituir a cultura nativa pela cultura estrangeira, nesse caso, a cultura grega.
Foi justamente nesse contexto que o livro de provérbios foi composto. Um dos livros mais injustiçados e mal interpretados da história. Geralmente é confundido com um grupo de máximas sem sentido e sem contexto. Assim, para entendê-lo é preciso entender que, sua pregação se deu em oposição a acomodação do povo judeu às alexandrias.
Esse contexto de invasão cultural, destruição da identidade e imposição de ideologias é muito atual. Vivemos em alexandrias modernas. Novas sedes culturais destruidoras da identidade e aprisionadoras centradas em belos discursos político-culturais. Essa identificação contextual faz com que a mensagem de Provérbios seja muito atual.
Diferente do que o senso comum interpreta, quando o autor de provérbios diz: “Melhor é o longânimo do que o valente, e o que governa o seu espírito do que o que toma uma cidade”. (Pv 16:32), não está falando das virtudes de paciência e domínio próprio, mas da disposição que o temente ao Senhor deve ter diante das alexandrias.
Em primeiro lugar: as alexandrias exigem que o homem esteja preparado, que estude estratégias, que conheça os caminhos e rotas, como formas de vencer suas batalhas. Mas contra isso o autor de provérbios (16:1-3) diz que não adianta o homem se preparar, pois o Senhor é quem julga, prepara e estabelece os que confiam nEle.
Em segundo lugar: as alexandrias pregam a idolatria afirmando que o mundo não possui a direção de um único Deus. As alexandrias impõem filosofias que procuram corromper a imagem de Deus. Usam o mal como principal prova da inexistência de Deus. Novamente o autor de provérbios responde: Deus fez todas as coisas com um objetivo, ninguém que tenha praticado o mal ficará impune (Pv 16:4-9).
Em terceiro lugar: as alexandrias são governadas pela elite. São os poderosos que orientam a justiça. Contra essa atitude novamente o autor de provérbios contesta dizendo que embora o rei use da autoridade divina, o peso e a balança justa são do Senhor (Pv.16:10-16).
Em quarto lugar: as alexandrias eram compostas pela nobreza. Pessoas consideradas superiores. A estas novamente o autor de provérbios afirma: A soberba e a altivez precedem a queda (Pelo Senhor), enquanto que o humilde de espírito é exaltado (Pv 16:17-19).
Em quinto lugar: as alexandrias enfatizavam seus teatros e suas exposições. A esses o autor de provérbios afirma que o sábio de coração é prudente. Faz uma reformulação da fé
e centra-se no interior, no coração (Pv 16:20-25).
Em sexto lugar: as alexandrias pregam o céu como uma foto do ócio. É o “não-fazer” e viver do que os outros fazem. Contra essa teologia o autor de provérbios afirma que o trabalhador não está centrado no lucro, mas no sustento de si próprio, não no acumulo de excedente, mas na subsistência, e que a lógica do acúmulo será frustrada por Deus (Pv.16:26-30).
Por último, a título de conclusão estão os versos 31-33. Neles a autoridade das cãs e o governo dos homens é contestado. Somente do Senhor procede toda a sua disposição.
O questionamento do escritor/colecionador de provérbios ajuda a entender que vivemos numa era imperial de alexandrias modernas que tentam nos seduzir, cativar e corromper. Provérbios nos desafia a superar as alexandrias, a confrontar sua sabedoria, a refutar seus conceitos e a reconhecer o Senhor como verdadeira Sabedoria, verdadeiro caminho e única segurança de vida. É uma mensagem de confronto às estruturas de domínio e ideologia.
Assim, “governar o seu espírito” não é ser longânimo ou ter a virtude de domínio próprio, mas manter-se fiel a Deus mesmo numa sociedade corrompida. Esse é melhor do que aquele que domina uma cidade, isso porque aquele que domina a cidade geralmente também é dominado por ela.
Que Deus nos Abençoe!